Enquanto buscamos desmatamento zero na Amazônia, é necessário construir uma alternativa centrada na produção sustentável que gera renda e empregos na região
Você consegue imaginar o que a castanha-do-brasil, o cacau, o dendê, a pimenta do reino, a manga, o pargo e o abacaxi têm em comum? À primeira vista, parece que nada, além do fato de que todos fazem parte da culinária brasileira, mas tem. Esses itens fazem parte de uma lista de 60 produtos que são compatíveis com a floresta amazônica, isto é, podem agir como vetores da conservação de florestas nativas, recuperação de áreas degradadas, inclusão econômica dos povos da floresta e a criação de bons empregos.
Por ano, a exportação de produtos compatíveis com a floresta traz receita de aproximadamente R$ 1,5 bilhão para empresas sediadas na Amazônia Legal. Esse valor demonstra que a região já tem capacidade instalada e um número mínimo de empreendedores que conseguem competir com sucesso no mercado internacional.
Mas quando colocamos essas exportações amazônicas no contexto global, descobrimos que elas representam somente 0,18% do mercado total correspondente, por onde circulam cerca de R$ 795 bilhões (US$159 bilhões) ao ano.
A participação irrisória da Amazônia indica que o país não só está perdendo oportunidade de alavancar a economia na região, como de produzir e lucrar sem que nenhuma árvore precise ser derrubada. Afinal, se priorizados e bem trabalhados, os produtos compatíveis poderiam render anualmente mais de R$ 10 bilhões para a Amazônia, em exportações, sem considerar o mercado doméstico.
De fato, trata-se de um número enorme, mas não impossível de ser alcançado. Afinal, os principais exportadores desses produtos são outros países tropicais que, em sua maioria, tem condições socioeconômicas similares ou mesmo piores que a Amazônia brasileira. Exemplos disso são o Vietnã, que tem 42% do mercado global de pimenta do reino, e a Bolívia, com 52% do mercado global de castanha-do-brasil descascada, enquanto a Amazônia tem, respectivamente, 7% e menos de 5%, desses mercados.
Mas como a Amazônia brasileira poderia expandir sua participação nesses mercados? Muita gente acredita que o maior obstáculo enfrentado pela Amazônia é a escassez de fatores de produção, como capital humano, recursos financeiros, e infraestrutura de transportes e comunicação. Essa escassez é real, mas como argumentou Albert Hirschman, regiões pobres costumam ter muitos recursos que estão escondidos, ociosos ou mal utilizados. O desafio, então, não é suprir ingredientes que estão faltando, mas criar os estímulos necessários para que os recursos existentes sejam mobilizados em prol do desenvolvimento.
De fato, a Amazônia possui muitos recursos a sua disposição. Por força do enorme desmatamento histórico, e que aumentou nos últimos anos, a região tem um grande estoque de terras abertas e ociosas. Além disso, tem também uma população predominantemente jovem e com acesso a tecnologias que poderiam aumentar a produtividade da sua agricultura, pecuária e atividades florestais, o que nos leva a acreditar que a região tem boas oportunidades para atrair capital público e privado, tanto no Brasil como no exterior.
Claro, a mera presença desses recursos não é suficiente. Para que o cenário mude, é preciso o esforço de coordenar sua utilização de forma adequada, e assim colocar a economia para girar. Nesse contexto, a ênfase nos produtos compatíveis com a floresta é promissora, pois eles já são produzidos na região, têm mercado internacional grande e estabelecido, e os competidores não têm nenhum recurso que o Brasil também não tem.
Em meio à urgência de se buscar pelo desmatamento zero na Amazônia, é possível ir construindo, paralelamente, uma alternativa, centrada na produção de espécies compatíveis com a floresta. É um longo caminho, mas já seria um ótimo começo.
*Por Salo Coslovsky (professor associado da Universidade de Nova York, pesquisador associado ao projeto Amazônia 2030 e coordenador do InFloresta)
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