"Existe um debate grande sobre o papel econômico da arte e muitos colecionadores ainda veem isso como um tabu, como se compartilhar tal aspecto de suas obras fosse um ultraje"
No último dia 03, nas galerias Benedito Nunes e Theodoro Braga (Belém) ocorreu a vernissage da exposição "Afetos Múltiplos - Arte contemporânea na coleção Eduardo Vasconcelos” com curadoria de Vânia Leal Machado. A mostra contém obras de diversos tipos, assinadas por mais de 50 artistas, em sua grande parte paraenses. O espaço encontra-se aberto para visitação de segunda a sexta, de 4 a 31 de dezembro de 2021. Na exposição está apenas uma parte do acervo privado do colecionador Eduardo Vasconcelos, acervo esse que em 2021 completou 10 anos de história e já supera a marca de 500 obras, carregadas de histórias e afetos. Visitando a exposição você entende perfeitamente a que a curadora se refere ao afirmar que “a coleção de Eduardo subverte a cronologia e as ‘escolas’ e seus rótulos”.
Como apreciador, investidor e empreendedor do mercado de artes, além de ser contagiado pela atmosfera de afeto e pelas singularidades de cada obra que a coleção transmite, é inevitável olhar para a coleção do Eduardo e não se questionar sobre seus aspectos econômicos. A contabilidade categoriza a arte como “Investimento”, um subgrupo dos “Ativos Permanentes ou Não Circulantes”. Uma das principais características desses ativos é sua baixa liquidez, ou seja, não são transformados em dinheiro rapidamente (o que não é uma regra), isso faz da arte um investimento a longo prazo que envolve um dos ativos mais valiosos que existe “a emoção”. Existe um debate grande sobre o papel econômico da arte e muitos colecionadores ainda veem isso como um tabu, como se compartilhar tal aspecto de suas obras fosse um ultraje. O que não é o caso do Eduardo, que com maturidade e convicção, não se intimida em falar sobre o assunto, o que acredito que se deve muito à sua formação e atuação acadêmica na área de administração de empresas.
Sabemos que muitos têm dificuldades de ver a arte em sua totalidade, o que envolve sua função e utilidade econômica, e impede, inclusive, o desenvolvimento e amadurecimento de uma economia criativa consolidada. Aproveitando a ocasião convidamos o colecionador Eduardo Vasconcelos para uma rápida conversa sobre o assunto, conversa essa que você confere abaixo.
1. Descreva sua visão acerca de sua coleção em poucas palavras:
Creio que o nome da exposição resume muito bem. São afetos múltiplos ou seja são obras que foram gradativamente sendo adquiridas, todas têm uma história de afeto por trás e esse afeto se dá de múltiplas formas - Em como essa imagem me transmitiu algo ou como representa um determinado momento da minha vida ou do próprio elo afetivo que foi sendo construído com os artistas e galeristas. Então ela é acima de tudo uma coleção de arte formada por afetos e eu posso dizer que eu tenho um carinho bastante peculiar por cada uma delas.
2. Como foi a aquisição de sua primeira obra de arte?
A primeira obra é justamente aqui representada no convite da exposição. É uma obra chamada “Casa Coração” do Jorge Eiró, uma obra que foi realizada exatamente dez anos atrás para a primeira edição da “Casa Cor”, em Belém. O Jorge Eiró tinha um espaço na Casa Cor e ele construiu essa obra pensando nessa relação da casa como algo que habita relações e como isso se assemelha aos afetos, aí aproveitamos o próprio gancho para a exposição. Eu vi essa obra através de uma publicação que ele fez antes do evento, e fiquei completamente encantado pela obra. Entrei em contato com ele imediatamente e nós fechamos negócio sem sequer ter visto a obra ao vivo, pelo tamanho peso que aquela imagem conseguiu transmitir para mim - aquele colar coração com uma engrenagem explodindo o sangue e o sangue jorrando por toda a tela. No dia que eu cheguei para a abertura da Casa Cor, visitei todos os espaços e quando me deparei com a obra, o encantamento foi ainda maior. A partir daí foram vindo a segunda, a terceira, a quarta e assim por diante.
3. Em sua coleção nota-se um número considerável de obras de artistas amazônicos. Como você avalia a arte amazônica?
Eu te diria, sem sombra de dúvida, que nós temos artistas de extrema sensibilidade e de uma riqueza artística incrível. Mesmo tendo visitado os museus e galerias de vários estados do Brasil e ao redor do mundo, o que a nossa região produz não deixa nada a desejar perante esse ou outros outros espaços geográficos. Digo isso não como um paraense, mas como alguém que se isenta de suas raízes e olha de fora, com um olhar mais apurado e experiente, conseguindo perceber a grandeza do trabalho que tais artistas conseguem desenvolver nas mais diversas linguagens e plataformas que vão desde a pintura e desenho até instalações, performances e assim por diante. Não é à toa que em muitas bienais e muitos eventos internacionais nós temos artistas paraenses mostrando seu trabalho.
4. A coleção Eduardo Vasconcelos, dentre outras coisas, também é um investimento financeiro?
Sobre a questão financeira a coleção não teve e não tem, em nenhum momento, uma intenção de especulação ou de investimento. No entanto, sou administrador de formação, atuo na área de negócios e tenho pleno conhecimento de toda a questão financeira e de projeção que isso pode ter e que já tem. Não estou isento desse conhecimento. O que não faço, e também não tenho interesse, é trabalhar em cima disso no sentido de lucro. Posso te dizer que tenho obras que adquiri há alguns anos e que hoje valem dez vezes o seu valor de mercado. Acredito que todo colecionador deve ter esse conhecimento - para além da questão do prazer estético da própria questão da obra enquanto um elemento decorativo, mas entender toda a dinâmica econômica que permeia esse mercado e que é muito extensa.
5. Como funciona a valorização e venda de uma obra/coleção de arte?
Esse processo de valorização do próprio mercado de arte ou da obra de arte é algo bastante complexo até para a gente tentar resumir numa frase pequena, mas eu poderia te dizer que é um mercado onde você tem diversos agentes que vão do artista, passando pelo galerista, até o colecionador, e que utiliza diversos mecanismos, atualmente em diversos agentes como as galerias, as casas de leilão, as próprias mídias sociais, as plataformas, que são das mais diversas, e todo esse mecanismo vai depender de questões relacionadas à projeção - como esse artista consegue efetivamente apresentar seu trabalho, e isso não significa qualidade do que é mostrado necessariamente, ou seja, existem casos de artistas que conseguem uma projeção muito maior em termos de venda e de mercado, o que não necessariamente quer dizer que são melhores. Vamos colocar dessa maneira: por conta de todos esses fatores que estão envolvidos e que precisam ser trabalhados, o galerista tem um papel extremamente importante na projeção desses artistas, e não somente a galeria, mas o próprio artista em si tem que ter um trabalho que seja relevante, que se sustente enquanto expressão do que ele quer demonstrar e não somente a pintura pela pintura ou a fotografia pela fotografia. É muito corriqueiro achar que essa valorização se dá após a morte do artista ou por o artista ter saído numa determinada publicação - claro que existem casos onde essa valorização se dá a partir desses momentos, mas não quer dizer que será exclusivamente desse jeito.
6. O que você acha do mercado de arte em Belém do Pará?
Se você acompanha esse mercado desde os anos 80/90 passando pelos anos 2000, ele passa por várias fases, quase que um processo cíclico. Você tem um momento em que há uma projeção maior de galerias e espaços expositivos e depois de uma certa retração, independente da qualidade artística de muitos desses artistas, que inclusive conseguiram uma visibilidade muito grande lá fora - fora eixo Rio-São Paulo, atingindo a vertente internacional. Seguindo essa linha de raciocínio creio que faltam mais ações para criar um mercado consumidor, arriscaria dizer que existe uma produção muito grande e de qualidade sob vários pontos, mas que o próprio mercado paraense ainda não absorve na mesma proporção e isso se deve a uma questão de conhecimento, interesse de envolvimento e de percepção de valor. O público que tem um poder aquisitivo que poderia fomentar e dinamizar ainda mais esse mercado, às vezes não consegue perceber todo esse contexto. Prefere adquirir um carro ao invés de uma obra de arte - claro que estou falando de obras com um valor de mercado muito maior - mas mesmo assim, ele prefere fazer outras compras ao invés de um investimento e não consegue perceber a arte ainda como um investimento.
7. Em sua opinião, o que precisa ser feito para que esse segmento cresça em nossa região?
Eu arriscaria te dizer que uma das ações é o que eu tenho feito, que é mostrar a coleção, uma coleção privada e que poderia estar restrita a uma esfera muito fechada (amigos, familiares, pessoas próximas). Quando você abre ao público, você não somente mostra toda uma produção artística dos últimos 40 anos, mas também consegue fazer com que as pessoas direcionem seu olhar e comecem a perceber que há um potencial enorme em termos de mercado. Além disso, é possível, às vezes, despertar o olhar do outro e quem sabe, criar novos colecionadores ou núcleos de colecionismo a partir da visão de alguém que já vem fazendo isso e que pode direcionar melhor, orientar melhor quem está com receio de por onde começar, como investir ou que artistas conhecer. E também acho importante a ampliação de outros espaços públicos para esses artistas - e a questão de mídia envolvida e outros parceiros que podem entrar nesse processo, como arquitetos, designers e lojas especializadas - que poderiam auxiliar imensamente na formação e nessa dinamização.
8. Quais suas projeções para o mercado de arte nos próximos anos?
Vários dados relacionados a mercado de arte demonstraram que o mercado não diminuiu durante a pandemia, pelo contrário, muitos colecionadores compraram mais durante a pandemia por conta do isolamento social. Eles buscaram ler mais, conhecer mais sobre novos artistas e acabaram adquirindo bastante, principalmente dentro de plataformas virtuais. Acho que surge aí um gancho importante para esse perfil de colecionador que está iniciando e também aqueles já existentes. Óbvio que você ter o primeiro contato ao vivo com a obra é muito importante, mas ele não exclui se conseguir direcionar adequadamente. Minha primeira aquisição foi feita de uma forma indireta - sem vê-la ao vivo - mesmo assim ela conseguiu me passar e transmitir tudo aquilo que o artista colocou nela. Sendo assim, as plataformas virtuais são um caminho bem interessante para esse mercado nos próximos anos.
9. Que conselhos você dá para quem está pensando em começar a investir em artes?
Eu diria que o primeiro ponto é tentar evitar modismo. Nós ainda temos um mercado em Belém que necessita de um melhor direcionamento do seu olhar. Acho que não é tão relevante adquirir o artista X porque todo mundo está adquirindo, mas sim buscar primeiro conhecer os artistas, o trabalho que eles vêm desenvolvendo, o histórico deles ou se o próprio currículo do artista é relevante; avaliar, a longo prazo, se esse é um investimento interessante do ponto de vista financeiro também; observar artistas iniciantes - tem muita gente boa iniciando seus trabalhos, sendo possível adquirir uma obra por um preço atraente; buscar ler sobre publicações que saem sobre esses artistas, sobre as exposições, visitar os ateliês. Isso vai formar uma base maior de conhecimentos que vão permitir uma primeira aquisição mais segura, mais clara, não tão nebulosa. Conversar com outras pessoas que já participam desse mercado também é muito interessante.
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