Alterações nos ciclos da região, com secas severas, ameaçam o cultivo sustentável de espécies que se transformaram fontes de renda e ajudam a preservar a floresta
Um estudo de pesquisadores brasileiros de cinco universidades, publicado na revista científica Biological Conservation, indica que, nos próximos 30 anos, as áreas climaticamente adequadas ao extrativismo na Amazônia Legal sofrerão um declínio de 91% de sua extensão total.
A pesquisa, que avaliou 18 espécies de árvores e palmeiras, indica que castanha-do-pará, açaí, andiroba, copaíba, seringueira, cacau e cupuaçu correm risco de desaparecer ou ter queda na produção. Entre as 56 reservas extrativistas estudadas na região, 21 correm risco de perder uma ou mais espécies exploradas.
Em Santa Luzia, Paulo diz que o período chuvoso deste ano, com menos água, reduziu a produção de açaí, já impactada pela seca do ano passado, a pior em mais de um século. Com isso, o preço do açaí, produto cada vez mais popular no país e no mundo, subiu. Uma lata que era vendida a R$ 20 passou a sair por R$ 30.
A última estiagem matou, pela primeira vez, todo o manejo sustentável de vitória-régia de Dulce Oliveira, de 52 anos. A partir das águas do Canal do Jari, também no Pará, a empreendedora há uma década transforma a planta-símbolo da Amazônia em pratos, geleias e conservas.
Não produzimos nada durante três meses no ano passado. A água demorou a voltar à frente da minha casa, onde faço o manejo. Tivemos que buscar pequenas lagoas que ficaram da seca anterior para produzir vitória-régia. Se a seca for extrema de novo, não teremos nada este ano, lamentou.
Segundo levantamento da Embrapa, com dados do IBGE, dezoito produtos da sociobiodiversidade amazônica superaram R$ 11 bilhões em valor de produção em 2022. Desse montante, a maior parte vem de açaí, cacau e castanha-do-pará.
Estudo do WRI Brasil prevê que a Nova Economia da Amazônia (NEA) pode adicionar R$ 40 bilhões anuais ao PIB da região até 2050, por meio da conservação de ativos naturais, fortalecimento da bioeconomia e agropecuária e energia de baixa emissão de carbono.
Diretor-superintendente do Sebrae do Pará, Rubens Magno lembra que os negócios afetados pelo clima são justamente aqueles que, além de fomentar a economia para comunidades da região, geram renda com “floresta de pé”, ajudando a preservar a Amazônia.
Os efeitos da mudança no clima estão também no radar de grandes empresas. Com uma cadeia de fornecedores de castanha do Brasil, cupuaçu, patauá, buriti e ucuuba, entre outros, a Natura passou a monitorar e classificar espécies mais vulneráveis às mudanças do clima, como a castanha.
Para fundos de investimentos e aceleradoras de negócios verdes na floresta, os riscos do clima entraram na conta para novos projetos. Segundo mapeamento do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (Idesam), há cerca de 200 startups de bioeconomia na Amazônia Legal. Dados da Associação Brasileira de Startups (Abstartups) mostram que a Região Norte reúne 5% das empresas de base tecnológica brasileiras dos vários setores.
Com um terreno de 15 hectares em que cultiva cacau nativo da Amazônia, a empreendedora Noanny Maia vem de uma família que há quatro gerações trabalha com o fruto. Em 2020, ela fundou a Cacauaré, que maneja subprodutos do cacau em parceria com seis comunidades agroextrativistas da região. O clima e a devastação da floresta, diz, são as principais preocupações dela e das famílias que cultivam o fruto em Mocajuba, na região do Baixo Rio Tocantins.
Temos nos reunido com vários produtores para fazer um trabalho de conscientização sobre os riscos que sofremos e discutir como podemos nos prevenir e quais medidas tomar em relação à seca e ao desmatamento.
Para culturas de ciclo longo como a macaúba, produzida pela Inocas, uma das saídas é calcular (e se planejar) para a mudança no regime de chuvas. A startup, que está na Amazônia desde 2022, criou um sistema de recuperação de pastagens degradadas com o plantio da macaúba, que tem ciclo produtivo de 40 anos.
Já são 600 hectares plantados em 11 fazendas do Pará. A palmeira é resiliente ao clima mais quente e à escassez de água, o que a faz mais adaptável a estiagens severas, explica Johannes Zimpel, fundador e CEO da Inocas. Mas, com menos água, cai a produtividade da palmeira, da qual é possível extrair o óleo vegetal que pode ser utilizado em diferentes indústrias, incluindo a cosmética e a de alimentos.
A irregularidade no regime de chuvas dificulta também o planejamento e execução das atividades agronômicas. Isso está no nosso radar, e os agrônomos fazem leituras diárias para entender como está o regime climático e o que podemos esperar —acrescenta Zimpel, que opera com o sistema da Inocas também no Cerrado e na Mata Atlântica.
Ana Euler, diretora de Negócios da Embrapa, diz que soluções de adaptação climática podem ser adotadas para ajudar na preservação de cultivos sustentáveis sob ameaça na Amazônia, como tecnologias de manejo florestal e sistemas de produção mais integrados
Com informações de Um Só Planeta
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