Postura da promotora que recorreu da decisão contra os moradores do área afetada surpreende ambientalistas e incomoda membros do próprio MPPA
Repercute de forma negativa a postura da promotora do Ministério Público do Pará Rosângela de Nazaré, depois que a magistrada entrou com um pedido de apelação da sentença do Tribunal de Justiça do Estado do Pará afim de que seja desconsiderada a decisão que condenou a Norsk Hydro a pagar multa de 50 milhões de reais por danos morais coletivos às comunidades ribeirinhas afetadas pela emissão de gases poluentes e outros danos em suas área de atuação como Barcarena e Paragominas, no Pará. Decisão do juiz Raimundo Santana também condenou empresas da Hydro a comprovar mudança de matriz energética em até 30 dias a contar da data decisão e o Estado do Pará a garantir cumprimento de acordo feito para obtenção de benefícios fiscais.
O pedido de apelação da sentença do Tribunal de Justiça do Pará está tendo má repercussão entre ambientalistas e até entre os próprios colegas promotores, que não entenderam a razão da promotora se posicionar contra a decisão que ampara a comunidade, representada pela Associação dos Caboclos, Indígenas e Quilombolas da Amazônia, a Cainquiama (associação que representa cerca de 11 mil pessoas).
ARGUMENTO DA PROMOTORA
No pedido o MP contesta a decisão, alegando que não há legitimidade para a associação entrar com o processo na Justiça. Entre os argumentos para tal, a promotora Rosângela de Nazaré alega que não houve na ação a “individualização dos associados atingidos” e, dessa forma, a associação agiu “com ilimitados poderes e representatividade - caboclos, indígenas e quilombolas da Amazônia -”, além de, nas palavras da promotora, estar “acrescido ao fato de o estatuto da associação ter finalidade genérica”.
Em 2020, a Cainquiama entrou com ação civil pública coletiva objetivando, além dos reparos pelos impactos já causados, a adequação das atividades empresariais do grupo norueguês Norsk Hydro pela forma de exploração de mineração promovidas pelas empresas Alunorte Alumina, Mineração Paragominas e Albras Alumínio para, além de adotar novos padrões de produção que sejam capazes de reduzir os impactos ambientais derivados da cadeia produtiva do alumínio no Pará e convocando o Estado a cumprir a obrigação de exigir das empresas o cumprimento do acordo com a empresa em 2015, quando fez concessão de benefício fiscal.
PROMOTORA VAI ALÉM
Para ela, se persistir - ou resistir -, a condenação das empresas rés ao pagamento de indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 50 milhões seria devida “aos associados da demandante, e não para os Fundos da demandante”.
“Ocorre que, especificamente para esse fim e por tratar-se de ação contra o Estado, faz-se necessária a relação nominal dos associados e seus endereços, como assim decidiu o STF ao declarar a constitucionalidade do art. 2º- A da Lei 9.494/1997”, diz a promotora no pedido.
Na decisão divulgada no dia 7 de maio, o juiz responsável pelo caso, Raimundo Santana, afirmou que as atividades das empresas rés provocam “intensa emissão de substâncias poluentes na atmosfera, notadamente GEE (gases de efeito estufa), como o dióxido de carbono (CO2) e o dióxido de enxofre (SO2)", em "volume (...) tão grande que supera em muito - podendo ser até mais que o dobro - do que é produzido por uma cidade com mais de 1,3 milhão de habitantes, como é o caso de Belém".
NA CONTRAMÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARAENSE, JUSTIÇA HOLANDESA RECONHECE LEGITIMIDADE DA ASSOCIAÇÃO DE MORADORES
O processo é movido na Holanda porque a empresa possui subsidiárias naquele país, das quais os reclamantes consideram responsáveis pelos danos causados. Na ação, nove indivíduos, além da Cainquiama buscam indenização por danos moral e material causados às comunidades de Barcarena e Paragominas dizem que foram (e ainda estão sendo) expostos a resíduos tóxicos do processamento de alumínio.
“As vítimas foram (e ainda estão sendo) expostas a resíduos tóxicos do processamento de alumínio e alegam enfrentar problemas de saúde em consequência da contaminação, como câncer, doença de Alzheimer, doenças de pele, problemas de estômago e diarreia. Reforçamos nosso compromisso de buscar uma compensação justa para todos os nossos clientes afetados". afirmou Bruna Ficklscherer - Diretora Jurídica do escritório Pogust Goodhead.
O Brasil é a principal fonte de matéria-prima do alumínio da Hydro Norsk, a bauxita. A refinaria atua na região por meio da Alunorte – maior refinaria de alumina (matéria-prima do alumínio) do mundo fora da China –, Albras e Paragominas.
Consultada pela Belém Negócios, a Pesquisadora Simone Pereira, doutora em Química, líder do grupo de pesquisa em Química Analítica e Ambiental da UFPA, revelou em um estudo feito em 2018 em Barcarena, que dos 21 elementos analisados, em 20 os níveis de chumbo, cromo e níquel estavam acima do aceitável para uma população não exposta da Amazônia. No caso do alumínio, essa elevação estava 27 vezes a mais.
"Isso afeta crianças e adultos e a contaminação por esses produtos podem estar associadas a doenças neurológicas, como Alzheimer e Parckson.
O QUE DIZ A HYDRO
A Hydro discorda veementemente da decisão do tribunal sobre a acusação de não cumprimento do acordo de ICMS e vai recorrer da decisão. A Hydro Alunorte possui todas as autorizações e licenças necessárias para operar, e todas as emissões são devidamente comunicadas às autoridades ambientais. O acordo de ICMS de longo prazo, pactuado em 2015 com o Estado do Pará, incluiu um projeto de mudança de matriz energética na refinaria de alumina Alunorte. O projeto de troca de combustível envolve a substituição de óleo por gás natural no processo de refino, e exigiu uma quantidade significativa de investimentos, incluindo a chegada do gás no estado do Pará. A Hydro Alunorte está implementando com sucesso a mudança de combustível após a entrega do terminal de gás pela Gás do Pará em Barcarena, no início de 2024. Ao implementar o projeto de mudança de combustível e fazer a transição do óleo para o gás natural, a Hydro Alunorte reforçará a sua atual posição de liderança como um dos produtores de alumina com menor teor de carbono. Além disso, ao trazer gás para o Estado do Pará, o projeto de mudança de combustível atuará como um facilitador para um maior desenvolvimento da infraestrutura de gás na região”, diz a nota da Hydro.
FAFÁ DE BELÉM É PROTAGONISTA DE NOVA CAMPANHA DA HYDRO
Em meio às decisões que a condenam por poluição ambiental, a Hydro tem apostado forte no prestígio de artistas de renome e ligados a Amazônia para divulgar suas ações ambientais. A cantora paraense Fafá de Belém teve seu contrato renovado para lançar a maior campanha institucional da empresa no Brasil, abrangendo mídia televisiva, impressa, rádio e digital. Realizada apenas no Pará em dezembro de 2023, a nova ação intitulada “Mudando o Jogo do Alumínio” e que associa a rosto e a voz de uma das maiores intérpretes da música nacional com a multinacional promete reverberar em todo o país uma imagem cada vez mais verde sustentável do grupo norueguês.
A peça ressalta ainda que “o alumínio da Hydro é feito nos mais altos padrões de qualidade, com respeito ao meio ambiente e às pessoas, e em busca de um futuro mais inteligente e sustentável”.
Em divulgações oficiais, a Hydro diz investir mais de R$ 8,8 bi para garantir operação sustentável e produção de alumínio mais verde e que possui meta global de reduzir em 30% as emissões de CO2 até 2030 e neutralizar as emissões de carbono até 2050. Neste sentido, as operações do Brasil têm papel estratégico”, destaca Anderson Baranov, CEO da Norsk Hydro Brasil.
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