A Seringô faz parte do projeto Marajó Sustentável, do governo do Pará, voltado ao desenvolvimento socioeconômico e ambiental de pequenos produtores
Uma empresa localizada na zona rural de Castanhal, no nordeste do Pará, inovou na cadeia produtiva de calçados e vem contribuindo para a reativação de seringais nativos no Arquipélago do Marajó, no litoral paraense, o que estimula o desenvolvimento socioeconômico de trabalhadores ligados à agricultura familiar. Denominada Seringô, ela produz tênis 100% sustentáveis, com borracha natural e caroço do açaí processado no solado e tecido de juta amazônica.
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A Seringô foi criada em 2018 pelo mestre em ecologia e manejo dos recursos naturais Francisco Samonek, e participa do projeto Marajó Sustentável, do governo do Pará, que visa a contribuir para o aumento da produtividade e qualidade da borracha natural, para promover o desenvolvimento socioeconômico e ambiental de pequenos produtores e trabalhadores da agricultura familiar, extrativistas e quilombolas.
Dessa forma, a borracha natural usada nos solados dos tênis é produzida em seringais nativos no Arquipélago do Marajó por trabalhadores inscritos no projeto. Atualmente, são 1.565 famílias inscritas, e a meta é chegar em 10 mil até dezembro de 2026.
Por meio do projeto, elas recebem capacitações e kits para fazer a extração do látex, que inclui faca e cuia, bota para se proteger de picada de cobra e facão para limpar o caminho.
Samonek ressalta que a empresa desenvolveu um manual de boas práticas para a extração do látex na Amazônia, que prevê dar dois dias de descanso para a árvore antes de voltar a riscá-la. Não é utilizado também um produto que força a saída do látex, aplicado no seringal de cultivo. "A nossa árvore seringueira na Amazônia é centenária. Se você for lá em São Paulo ver um seringal de cultivo, 30 anos ela se esvaiu, pode derrubar, cortar ela, vender para lenha, para móveis, para qualquer outra coisa, substituir aquela árvore, porque ela não é mais produtiva. Por conta do excesso de sangria dela", fala Samonek.
Ele destaca ainda que a Seringô não usa água para lavar a borracha e, assim, não gera sujeira no processo produtivo da cadeia do produto. "Em São Paulo, se você visitar uma usina de borracha em Olímpia, São José do Rio Preto, Cedral, municípios que têm usinas de borracha, são três tanques impermeabilizados para não ir para o lençol freático a água que sai da limpeza", pontua. "Dez a 20 litros de água para lavar 1 kg de borracha numa usina convencional".
De acordo com o fundador da Seringô, atualmente, no geral, há pouca coisa sustentável nos calçados, mundialmente.
"Então quando eu vi a possibilidade de fazer [a borracha produzida por seringueiros] entrar no calçado eu digo 'poxa vida, vamos fazer diferente, vamos produzir um produto mais sustentável um pouco', que você não fique com remorso depois de usar e jogar no ambiente e ficar contaminando o ambiente".
Ele relata que em conversas com indústrias de calçados, ouviu que seria difícil elas trabalharem com a borracha natural porque precisariam usar um aditivo para o produto não encolher e um tênis mudar de tamanho após deixar a fábrica. Entretanto, no caso da Seringô, isso nunca ocorreu. E o motivo, descobriu Samonek posteriormente, é o caroço do açaí.
"Eu fui descobrir que o caroço do açaí contrabalanceou o encolhimento da borracha. Então eu tive um ganho sem saber, além do ambiental já de usar uma matéria-prima renovável, que é resíduo, um subproduto da cadeia do açaí".
Ao SBT News, o fundador da Seringô disse que a indústria de calçado não adota o modelo mais sustentável de produção de tênis com que a empresa trabalha por causa da "dificuldade de processamento". "Porque a borracha natural encolhe, porque não é injetável, tudo isso aí é a grita que eu recebi".
Samonek entrou com um pedido na Financiadora de Estudos e Projetos para que a Seringô ganhe um laboratório em Castanhal. A ideia é fazer experimentos para ver se conseguem tornar a borracha natural injetável, para que as prensas não precisem ser alimentadas de forma manual.
"Eu conheço mais de dez árvores aqui na Amazônia que dão resinas, que a gente pode usar nessa composição para dar a plasticidade necessária para que a borracha se torne injetável", pontua. Segundo ele, se a empresa conseguir fazer isso, "a indústria de calçados vai querer comprar toda a borracha que tiver na Amazônia. Porque daí se torna competitivo".
Apesar de a empresa ficar em Castanhal, a montagem dos tênis é feita no Rio Grande do Sul, por meio de um parceiro. O cadarço é feito com fio de algodão orgânico. Depois de montados, os calçados são enviados de volta ao Pará. A venda é feita pela internet.
Outros produtos
A Seringô vende ainda, por exemplo, artesanatos sustentáveis e biojoias produzidos por comunidades capacitadas para a atividade por uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) também pertencente a Francisco Samonek.
Ela é de 1998, ou seja, mais antiga do que a Seringô, e antes desta já capacitava comunidades para fazer artesanato e as organizava para o mercado. Atualmente, são 75 produzindo no Pará e vendendo.
"A Seringô, que é a segunda empresa, que é a área econômica, não se envolve para ganhar dinheiro em cima disso. Todo o lucro que for gerado no artesanato, nas biojoias também, que é uma segunda linha de produtos, é deles, da comunidade", salienta Samonek.
Jornalistas do SBT News e de outros veículos visitaram a Seringô no último dia 5, como parte do curso "Agronegócio em Perspectiva", fruto de parceria entre a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert) e a Fundação Dom Cabral.
Fonte: SBT News
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